“É preciso valorizar a negociação para resolver os problemas trabalhistas”

A crise que o Brasil enfrenta tem impactado em diversas áreas e gerado propostas de alteração legislativa na tentativa de contingenciar gastos ou estimular o mercado. A Justiça do Trabalho, por exemplo, tem reflexos do atual momento com o corte orçamentário drástico e com projetos de mudanças em normas trabalhistas. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra Martins Filho, considera o corte no orçamento injusto, mas afirma que é preciso segurar o freio do crescimento da Justiça do Trabalho para que ela não se torne um “monstro” em comparação a outros ramos do Judiciário.

O ministro esteve em Curitiba no dia 7/7, no seminário jurídico nacional da UGT, e conversou com o Jornal Gazeta do Povo sobre alguns dos temas que mais têm impactado a Justiça do Trabalho, e que foram abordados durante o evento. Para ele, e a Justiça do Trabalho precisa dar uma resposta no momento de crise e é preciso prestigiar mais os meios alternativos de resolução de conflitos para reduzir o contingente de processos trabalhistas. Sobre a terceirização, Martins Filho aponta pontos positivos e negativos do processo que tramita no Senado, e avalia que é preciso definir um marco regulatório para o tema com urgência.

A Justiça do Trabalho passa por um momento crítico em que tribunais ameaçam fechar as portas por falta de recursos. A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016 promoveu um corte de 90% para investimentos e de 30% nos recursos de custeio. Para o presidente do TST, este ramo do Judiciário não pode ser sacrificado de modo que todos respondam pela postura equivocada que eventualmente alguns juízes possam ter. Confira a entrevista na íntegra. 

O senhor assumiu a presidência do TST em um momento em que muitas pautas relacionadas à Justiça do Trabalho estão em questão. Há questão orçamentária, projetos de leis que alteram normas trabalhistas. Na opinião do senhor, como a Justiça do Trabalho pode reagir ao momento pelo qual o país passa?

Eu tenho proposto que em momento de crise nós temos que repensar nossa jurisprudência, ela tem que oferecer uma proteção mais real, do que de papel. Tem que conseguir balancear melhor os interesses e ao mesmo tempo admitir que é necessário fazer uma reforma. Nesse congresso de estou participando aqui, eu havia dito que ninguém reforma uma casa para piorar a casa. Você sempre faz a reforma para melhorar. Aí, um dos participantes disse: “mas eu fui fazer reforma na minha casa e esqueci que era o período de chuvas. Começou a chover e eu perdi todos meus móveis”. O que eu respondi para ele? Nós temos que saber o momento de fazer reforma, você está com a casa boa, você não vai fazer a reforma no período de chuvas. Agora, se você está com a casa sem teto, então você vai fazer no período de chuva, porque senão você vai se molhar mesmo. Então, nesse momento, nós precisamos modernizar, atualizar a legislação para conseguir efetivamente uma proteção real e não no papel. 

Qual é a opinião do senhor sobre o projeto de lei da terceirização?

Esse projeto que está hoje no Senado é um projeto que tem aspectos positivos e negativos. Não acho que seja o melhor projeto, há até projetos melhores na Câmara ainda em debate. Agora, o que eu entendo é que nós precisamos sim e com a maior urgência possível um marco regulatório da terceirização. Porque hoje a terceirização está toda dependendo de uma súmula do TST. Imagina, uma súmula sendo marco regulatório de tudo que se discute em termos de terceirização no Brasil. Aí até o fiscal do trabalho virou juiz, porque ele vai dizer: “não, isso aqui é atividade fim, e isso aqui é atividade meio”. 

O senhor poderia citar exemplos de pontos positivos e negativos?

O ponto negativo é que deixou de regulamentar o setor público, que é onde mais nós temos distorções na terceirização. Isso porque, pela lei de licitação, você contrata sempre pelo o menor preço. E uma empresa, às vezes de fachada, termina o primeiro ano de serviço e não consegue manter o mesmo preço. Imediatamente ela sai e esses mesmos trabalhadores são contratados pela empresa seguinte. E o que acontece? Não tem férias, tem trabalhador que às vezes está há quatro, cinco anos sem férias, porque passa de uma empresa para a outra.

E o aspecto positivo é que traça parâmetros bem claros em relação a muitos dos diretos para serem garantidos aos terceirizados. Principalmente porque o que eu mais defendo é que não se admita dois trabalhadores trabalhando ombro a ombro na mesma empresa fazendo a mesma coisa e um seja terceirizado, o outro da empresa e ganhando com disparidade, isso nós não podemos admitir. 

Qual que é a opinião do senhor sobre a proposta que o acordo entre o patrão e funcionário prevaleça sobre a lei? Isso é viável?

Esse projeto que hoje está sendo discutido em relação a prestigiar negociação coletiva, na verdade não é prevalência do negociado sob o legislado. É preciso valorizar a negociação como talvez o melhor meio para resolver os problemas trabalhistas. Se pensar numa reforma trabalhista, do tipo pegar a CLT e passar a limpo, iria levar 10 anos. Tem um monte de dispositivos que iam ser discutidos e você não iria conseguir resolver o problema a curto prazo e nem resolver bem. Porque ia ser trabalho de gabinete, trabalho do legislador sem conhecer os problemas concretos. Se nós partirmos para uma reforma que seja mais no sentido de traçar regras claras para a negociações coletivas e umas das regras fundamentais para mim é que, para cada norma flexibilizada de acordo com a Constituição, se dê uma vantagem compensatória ao trabalhador. Então patrimônio jurídico do trabalhador como um todo não sai perdendo. E ,ao mesmo tempo, quem estabelece essas condições de trabalho, até para o momento de crise, são as próprias partes, que conhecem muito melhor a situação, do que nós juízes. 

Mas além das medidas de curto/médio prazo, na sua opinião, também é necessário reformar a CLT?

Sim, alguns pontos tópicos sim. Porque não adianta nada você dizer que é possível fazer uma negociação coletiva mais ampla, se alguns dispositivos legais travam essa negociação. Um exemplo é a questão do intervalo entre a jornada. O que acontece? Hoje há uma norma legal e jurisprudência do TST, até súmula dizendo que se o patrão não der uma hora de descanso, ele vai ter que pagar. Mesmo se ele deu aqueles 45 minutos, ainda vai ter vai ter que pagar uma hora a mais e ainda como hora extra com 50% de adicional.

Em muitas convenções coletivas os trabalhadores querem sair mais cedo do trabalho, em meia hora almoçam, muitas vezes eles não têm para onde ir. Eu ouvi essa semana mesmo reclamações de trabalhadores nesse sentido: “eu tenho que ficar lá num sofá na empresa esperando meia hora para eu poder trabalhar e eu queria ir mais cedo para casa”. Então essa norma legal deveria ser alterada, dizendo é possível fazer a redução conforme a categoria. Porque se for fazer uma reforma ampla, vai ser como o Código de Processo Civil, que levou décadas para chegar ao que chegou. O Código Civil é a mesma coisa, levou 30 anos. 

Como que o senhor encara o corte orçamentário da Justiça do Trabalho. É possível prosseguir o trabalho no mesmo ritmo?

O corte orçamentário que foi feito pela Justiça do Trabalho foi maior do que os outros ramos do Poder Judiciário e foi um corte que até o próprio relator fundamentou por causa da forma como a Justiça do Trabalho estaria decidindo. Quer dizer, para ele, estaria mais trazendo ônus demasiado para as empresas, do que compondo a relação capital-trabalho. Acho que não se pode absolutamente condenar uma instituição por eventuais excessos de um ou outro dos seus membros. Então acho que não era possível fazer esse corte com essa motivação. 

E quais podem ser as consequências?

Esse corte realmente quase condenou a Justiça do Trabalho a fechar suas portas até o final do ano. O que nós estamos tentando conseguir é uma medida provisória ou alguma forma de nós recuperarmos parte desse dinheiro para poder continuar funcionando até o final do ano. Estamos com muita esperança que seja editada uma medida provisória, que dê acesso à Justiça do Trabalho às suas fontes próprias. Hoje, há R$ 40 bilhões de depósitos judiciais da Justiça do Trabalho no Banco do Brasil e na Caixa Econômica. Esses depósitos são renumerados, essa remuneração viria para a Justiça do Trabalho, só que isso tem que ser feito por algum instrumento, antigamente era por decreto. Com toda essa discussão em torno de se houve pedalada, ou se não houve pedalada do governo passado, se criou um receio muito grande do Ministério do Planejamento e do governo atual de editar alguma norma que não fosse projeto de lei aprovado pelo Congresso.

E o que eu sustento e defendo é que, com medida provisória, não se tira do controle do Legislativo, se aquilo é constitucional. Ontem o Tribunal de Contas da União (TCU), atendendo uma consulta do Ministério do Planejamento, disse que o caso da Justiça do Trabalho é tão excepcional, que o corte foi tão drástico, que se pode se justificar de uma MP. Agora estamos dependendo dessa medida provisória para não fechar em agosto os tribunais de São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás. E se não recebermos esse esforço, vamos acabar fechando 14 tribunais até o final do ano. 

Caso a medida provisória não seja aprovada, qual que vai ser o impacto em questão de acúmulo de processos?

No momento que você fecha [os tribunais], aquela demanda toda vai ficar represada. No dia que reabrir, vem o “tsunami”. 

Com relação aos servidores, o então relator do orçamento, Ricardo Barros (atual ministro da saúde), disse que a Justiça do Trabalho é inchada, tem muitos servidores e seria preciso diminuir. Do seu ponto de vista, realmente há muitos servidores hoje?

Diante do contexto atual, é insuficiente o número de servidores e juízes. Mas por quê? Porque a própria Justiça do Trabalho invalida a negociação coletiva. Então, está desprestigiando essa negociação e também não admite arbitragem em individual. O próprio Supremo diz que não era obrigatória a passagem em comissões de conciliação prévia e agora está sendo discutida a questão de mediação e conciliação. Há duas correntes, uma mais liberal e uma mais restritiva. Na medida em que você passa a encarar os meios alternativos de composição dos conflitos, como não devem ser prestigiados no âmbito trabalhista e é só o Estado juiz que vai resolver os problemas, então realmente a Justiça do Trabalho com 24 tribunais ainda é pequena. O que eu defendo é que nós temos que repensar isso. 

Repensar em que sentido?

Eu falei para os vários presidentes dos tribunais, nós estamos tentando recompor nosso orçamento, não adianta ficar batalhando para ampliar o número de varas, ampliar o número juízes. Ou vamos começando a ser vistos até pelo próprio CNJ como um monstro, em comparação com a Justiça Federal e com outras justiças. Foi o que aconteceu quando eu estava compondo o CNJ. Mas por quê? Porque nós mesmos começamos a não admitir nenhuma contenção da demanda trabalhista. Nós acabamos vendendo o peixe para a população, quase como uma propaganda enganosa. O que dizemos? “Olha, podem entrar com as reclamações o quanto quiserem, que nós vamos solucionar”. O que mais impressiona é que, muitas vezes, vemos no próprio TST muitos ministros defendendo que não se admitem tantos meios alternativos de composição dos conflitos, enquanto há estoques monumentais de processos para resolver. O que acaba acontecendo? Você promete para a população que vai dar solução, mas não resolve. É aquele negócio, pode manda a árvore aqui, cortar a árvore que eu seguro na marra e a árvore me esmaga. A quantidade de processos hoje que nós recebemos supera e muito a capacidade humana de dar uma resposta rápida.

 

Fonte: Imprensa UGT

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