SÍNTESE REFLEXIVA SOBRE A LEI Nº 12.790 QUE REGULAMENTA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO COMERCIÁRIA - Parte 1

Após vários anos de intensa luta e muito trabalho do movimento sindical dos comerciários, conseguimos aprovar o substitutivo aos Projetos de Leis nº 115/2007, de autoria do Senador Paulo Paim, nº 152/2007, do Senador Pedro Simon e nº 6.406/2009, da Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado José Airton Cirilo, transformando-os na Lei nº 12.790, de 15 de março de 2013, que regulamenta o exercício da profissão de comerciário, após tramitação nas diversas comissões do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e sanção da Presidente da República com veto ao art. 5º do substitutivo, que previa a fixação de contribuição para o custeio da negociação coletiva. 

A redação do substitutivo foi duramente negociada entre duas comissões de diretores da CNTC e da CNC, após diversas reuniões no Rio de Janeiro e em Brasília. Não foi fácil alcançarmos um consenso que não onerasse em demasia as empresas e que trouxesse alguns importantes avanços nos direitos e nas condições de vida dos empregados no comércio, categoria profissional mais numerosa e mais antiga do País, mas que, até então, não tinha reconhecido o exercício da profissão. 

Reconhecemos que o substitutivo negociado com a categoria patronal ficou aquém da proposta original enviada pelo Senador Paulo Paim na forma do projeto de lei nº115/2007, entretanto, foi o possível de se conseguir diante das dificuldades políticas na tramitação da matéria no Congresso Nacional. 

Todos se lembram, a proposição restou trancada na Câmara dos Deputados por quase uma década, em razão da forte resistência do poder econômico, inclusive arguição de vício de inconstitucionalidade. 

O substitutivo negociado obteve a aprovação e o apoio de todo o movimento sindical dos comerciários do Brasil, que participou ativamente e com muito empenho na pressão constante sobre os parlamentares do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, até a vitória final com a sanção da Lei pela Presidente da República. 

Agora, nos resta ainda a dura missão de debater exaustivamente o texto legal e encontrar interpretação razoável e coerente suficiente a convencer os intérpretes do direito do trabalho, principalmente o Poder Judiciário, a dar ao novo texto legal o entendimento que melhor atenda as necessidades dos hipossuficientes.

Nesse sentido, procuraremos, em seminários e encontros, reunindo dirigentes sindicais e advogados trabalhistas, firmar alguns entendimentos a respeito do texto da nova legislação, mas sem nenhum atropelo ou precipitação na execução da norma legal, respeitando um processo de implantação sem qualquer surpresa ou impacto violento de ordem econômica nas atividades das empresas da área do comércio. 

Diante do exposto, visando contribuir com esse importante debate nacional, mas sem nenhuma pretensão didática, nem conclusiva ou terminativa a respeito do tema, e como participamos da redação do projeto substitutivo, elaboramos essa síntese reflexiva sobre a lei regulamentadora do exercício da profissão de comerciário para análise e críticas dos companheiros e dos estudiosos do ramo do direito do trabalho. 

Art. 1º - Aos comerciários, integrantes da categoria profissional de empregados no comércio, conforme o quadro de atividades e profissões do art. 577, combinado com o art. 511, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, aplicam-se os dispositivos da presente Lei, sem prejuízo das demais normas trabalhistas que lhes sejam aplicáveis. 

O artigo visa definir quais são os trabalhadores alcançados pela nova norma legal, ou seja, o objeto da lei e o respectivo âmbito de sua aplicação. 

CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 577 DA CLT - se havia alguma dúvida quanto à recepção do artigo 577 da CLT pela Constituição Federal de 1988, parece-nos que o Congresso Nacional e o Poder Executivo Federal ao vincularem na lei a definição da categoria profissional conforme o quadro de atividades e profissões previsto no referido artigo, consolidaram sua recepção pela nova Carta Magna da República. 

ENQUADRAMENTO SINDICAL - a consolidação da recepção do artigo 577 da CLT pela Constituição vigente restabeleceu fato jurídico importante para o direito trabalhista brasileiro, ou seja, a validade do quadro básico do enquadramento sindical e a legitimação do sistema confederativo de representação sindical. 

Evidentemente, o quadro de categorias precisa ser atualizado. Não pelo Ministério do Trabalho, sob pena de caracterizar interferência do Poder Público na organização sindical, mas por ato das entidades sindicais legalmente constituídas na forma do art. 8º da Constituição Federal.

SISTEMA CONFEDERATIVO – CNTC - diante da recepção do artigo 577 da CLT e consequente validade do quadro de atividades e profissões, que fixa o plano básico do enquadramento sindical brasileiro, a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio constitui-se na única entidade de grau superior representativa dos grupos de categorias profissionais do comércio, exceto os grupos organizados em Confederações específicas (Empregados em Turismo e Hospitalidade e Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde). 

ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI - quais os grupos do Plano da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio são alcançados pelo texto do art. 1º da nova lei?

O Inciso III do artigo 7º da Lei Complementar nº 95, de 1998, estabelece que, na elaboração da norma legal, “o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva”.

Logo, o âmbito de aplicação da Lei nº 12.790/2013, conforme define seu artigo 1º, serão os grupos do Plano da CNTC, constantes do quadro a que se refere o artigo 577, acrescido de eventuais categorias profissionais surgidas na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, conforme preconiza o artigo 511, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho, exceto os grupos já organizados em Confederações (Turismo e Hospitalidade e Serviços de Saúde), face ao princípio constitucional de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. 

DESMEMBRAMENTO - tendo em conta que as atividades econômicas e as categorias profissionais do plano da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio, constantes do quadro a que se refere o artigo 577 da CLT, atualizado na forma do artigo 511 da Consolidação, constituem a profissão de comerciário, evidentemente, não pode sofrer desmembramento, sob pena de se estar fragmentando a profissão regulamentada, o que não convive com o sistema da unicidade sindical. 

Nesse sentido a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, em Recurso em Mandado de Segurança, da lavra do Ministro MARCO AURÉLIO: 

 

“Processo: RMS 21305 DF

Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO

Julgamento: 17/10/1991

Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO

Publicação: DJ 29-11-1991 PP-17326 EMENT VOL-01644-01 PP-00093 RTJ VOL-00137-03 PP-01131

 

Ementa

 

CRIAÇÃO POR DESMEMBRAMENTO - CATEGORIA DIFERENCIADA. A organização sindical pressupõe a representação de categoria econômica ou profissional. Tratando-se de categoria diferenciada, definida a luz do disposto no par-3. do artigo 511 da Consolidação das Leis do Trabalho, descabe cogitar de desdobramento, por iniciativa dos interessados, consideradas as funções exercidas pelos sindicalizados. O disposto no parágrafo único do artigo 570 do referido Diploma aplica-se as hipóteses de existência de categoria similares ou conexas e não de categoria diferenciada, muito embora congregando trabalhadores que possuem funções diversas. A definição atribuída aos trabalhadores e empregadores diz respeito a base territorial do sindicato - artigo 8., inciso II, da Constituição Federal e não a categoria em si, que resulta das peculiaridades da profissão ou da atividade econômica, na maioria das vezes regida por lei especial, como ocorre em relação aos aeronautas. Mostra-se contraria ao princípio da unicidade sindical a criação de ente que implique desdobramento de categoria disciplinada em lei como única. Em vista da existência do Sindicato Nacional dos Aeronautas, a criação do Sindicato Nacional dos Pilotos da Aviação Civil não subsiste, em face da ilicitude do objeto. Segurança concedida para cassar-se o ato do registro no Ministério do Trabalho”. 

Consequentemente, a Ementa do Pleno do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário Nacional, deixa claro e consagrado o entendimento da inviabilidade de desmembramento de categoria disciplinada em lei, sob pena de se contrariar o princípio constitucional da unicidade sindical. 

PORTARIA 186/MTE. - restabelecido o vigor do quadro a que se refere o artigo 577 da CLT, que fixa o plano básico do enquadramento sindical brasileiro, o Capítulo IV – DAS ENTIDADES DE GRAU SUPERIOR, da Portaria nº 186, do Ministério do Trabalho, na parte que se refere à filiação, é nulo de pleno direito, por inconstitucional e contrário ao plano básico do enquadramento sindical que tem por base o principio da vinculação por categoria profissional ou econômica. 

Embora o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha julgado as ADI’s interpostas pelas confederações profissionais e patronais, questionando a constitucionalidade dos artigos da Portaria 186 que tratam do registro das entidades de grau superior, a jurisprudência da Justiça do Trabalho tem sido no sentido da prevalência da representação pela vinculação das categorias econômica ou profissional, independente de filiação.

 

“Contribuição sindical deve ser repassada à entidade sindical superior independente de filiação” 

Mais uma vez, tribunais manifestam entendimento de que o repasse obrigatório da contribuição às respectivas federações deve ser feito mesmo que não haja filiação. 

Desta vez foi o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região que manifestou seu entendimento, no mesmo sentido das decisões anteriores onde a FEAAC foi parte, garantindo o direito ao recebimento das contribuições por ser direito próprio. Segue a decisão para conhecimento de todos:


(data da divulgação: Quarta-feira, 27 de Outubro de 2010)

Ementa 

FEDERAÇÃO SINDICAL. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. RATEIO. COMPULSÓRIO. NORMA IMPERATIVA DE ORDEM PÚBLICA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECONHECIMENTO. A contribuição sindical tem natureza tributária e seu rateio é rigorosamente pré-estabelecido pelas normas imperativas de ordem pública (artigos 589 a 561 da CLT). Conclui-se, disso, que a destinação desse tributo é imune à autonomia de vontade das entidades sindicais de grau inferior (sindicato) e superior (federação e confederação).

O fundamento jurídico que assegura o direito do sindicato a participar do rateio dessa contribuição é, rigorosamente, o mesmo que garante o direito das entidades de grau superior (federação e confederação) a participar dessa distribuição.

Assim, atenta contra preceito imperativo de ordem pública a interpretação dos dispositivos aludidos no sentido de que o direito das federações e confederações à contribuição sindical, está condicionado à filiação dos respectivos sindicatos da categoria.

Aliás, tal exegese claudicante ofende também o princípio constitucional da isonomia, à medida que trata desigualmente os iguais, visto que vincular o direito em questão das confederações e federações à filiação dos sindicatos importaria também vincular o direito dos sindicatos a tal contribuição à filiação dos membros da categoria, interpretação essa rechaçada pelo STF.

Com efeito, o Ministério do Trabalho e Emprego intervém e interfere indevidamente na organização sindical, ao editar regras e determinar, ainda que atendendo a solicitação de sindicato, à Caixa Econômica Federal alteração de código sindical, de modo a excluir qualquer integrante da organização sindical pátria da destinação compulsória da contribuição sindical.

DECISÃO: Por tais fundamentos, ACORDAM os Desembargadores da Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, em sessão realizada na data e nos termos da respectiva certidão de julgamento: aprovar o relatório, conhecer do recurso da Impetrante, mas não conhecer do recurso adesivo interposto às fls. 1008/1017, por falta de sucumbência e, vencido o Desembargador Relator quanto à declaração, ex officio, com espeque no art. 267, 3º, do CPC, de extinção do processo, sem resolução de mérito, na forma dos art. 6º, § 5º, da Lei nº 12.016/09 e do art. 267, IV, do CPC, por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.

No mérito, dar-lhe provimento, para conceder a segurança pretendida e tornar sem efeito o ato impugnado, determinando a inserção do código da Impetrante nas contas dos sindicatos, para futura distribuição dos valores da contribuição sindical, bem como efetuar o estorno de eventuais valores indevidamente lançados.

Oficiar a CEF, para as providências cabíveis. Consectários de sucumbência invertidos, custas pela União, isenta na forma da lei.

Excluídos os honorários advocatícios. Oficie-se o Ministério do Trabalho e Emprego e a CEF, para as providências cabíveis, sobre o inteiro teor da presente decisão. Tudo nos termos da fundamentação.

Em, 19 de Outubro de 2010 (Data do Julgamento)”.

 

A jurista PRISCILA ALMEIDA DE CARVALHO, em sua obra “O Vínculo Federação – Confederação e a Unicidade Sindical” aponta vícios de inconstitucionalidade na Portaria nº 186/08, do Ministério do Trabalho, que continua regrando o registro das entidades sindicais de grau superior:

Art. 3°:

Parágrafo único. As fusões ou incorporações de entidades sindicais para a formação de uma nova entidade são consideradas alterações estatutárias.

37A nova Portaria abre campo para o pluralismo no plano das federações e confederações, fato saudado pela CUT: "No que tange à criação de entidades de "grau superior", como federações e confederações, sempre que os requisitos mínimos legais forem cumpridos, o Ministério do Trabalho irá efetuar o reconhecimento da referida entidade.

38A Portaria 186/08 trata da formação e registro das entidades de grau superior, federações e confederações, nos termos dos arts.534 e 535 da CLT. Não estando O processo de desmembramento de entidades sindicais explicitado em lei, o Ministério do Trabalho e Emprego vem reconhecendo a pluralidade no campo federativo e confederativo, embora esse campo sindical já esteja definido há muito no sistema da unicidade sindical.

39A unicidade sindical vem sendo efetivada, à revelia, pelo reconhecimento de sindicatos, federações e confederações paralelas ou desdobradas das entidades sindicais do plano básico. Um exemplo é a aprovação da nota técnica que reconhece a existência legal da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro  Contraf  organização sustentada pela política da Central Única dos Trabalhadores.

40A Secretária de Organização da CUT Nacional, Denise Motta Dau pronunciou-se, "a Portaria do MTE traz na sua orientação uma maior liberdade, abrindo espaço para a legalização de várias entidades de nível superior que já são reconhecidas de fato mas não de direito"(em 16.04.08 no site www.cut.org.br). Neste sentido, a inconstitucionalidade contida na Portaria é manifesta, uma vez que o sistema confederativo é reconhecido na Constituição Federal, art.8º, sendo explicita a norma que preceitua: "é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica..." (inciso II do art.8º), o que também abrange o grau superior das federações e confederações”. 

Diante desses entendimentos, conclui-se que a recente Portaria nº 326, de 1º de março de 2013, do Ministério do Trabalho, ao determinar que “Os procedimentos de pedidos de registro e de alteração estatutária de entidades de grau superior continuam a ser regidos pela Portaria nº 186, de 10 de abril de 2008”, contraria o disposto no Inciso II do art. 8º da Constituição Federal, que assegura o princípio da unicidade sindical, em qualquer grau de representação. 

A Portaria 186/2008, ao estabelecer número mínimo de filiados como requisito para constituição de entidade de grau superior, possibilita a criação de mais de uma entidade na mesma base territorial, abrindo, assim, espaço para a implantação da pluralidade sindical, sistema vedado pelo ordenamento jurídico nacional.

 

VICENTE SILVA

OAB/PR Nº 5.604

Presidente da Federação dos Empregados no Comércio do Estado do Paraná - FECEP.

1º Vice-Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio – CNTC.

Membro das Executivas Regional e Nacional da UGT.


FECEP - Federação dos Empregados no Comércio do Estado do Paraná

Endereço: Av. Anita Garibaldi, 1933 - Ahú

Telefone: (41) 3352-2754 - Fax: (41) 3252-3121